Pesquisa mostra que resíduos de antibiótico veterinário atingem o solo

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A presença de resíduos de antibióticos de uso veterinário no solo e em cama de frango (revestimento sobre o qual ficam os animais no criadouro) é comprovada por pesquisa do engenheiro agrônomo Rafael Leal no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP). Os compostos podem favorecer a resistência de micro-organismos aos antibióticos e se acumular em vegetais usados no consumo humano. O pesquisador aponta que ainda não há legislação sobre limites de resíduos no ambiente e recomenda o controle e o monitoramento das substâncias em uso na criação de animais.

Os resíduos de antibióticos atingem o ambiente de forma direta (fezes e urina de animais que pastam) ou indireta (utilização de esterco animal na adubação de culturas). A pesquisa adaptou e validou uma metodologia analítica para quantificação de resíduos de quatro tipos de antibióticos, as fluoroquinolonas (norfloxacina, ciprofloxacina, danofloxacina e enrofloxacina), aplicada em amostras de solo, cama de frango e solo fertilizado com cama de frango. “Também foi avaliado o potencial de sorção e dessorção dos resíduos, ou seja, a capacidade de serem absorvidos e eliminados dos solos, além da influência dos atributos de solo no potencial de sorção de fluoroquinolonas e sulfonamidas em solos representativos do Estado de São Paulo”, diz Leal.

A orientadora do estudo foi a professora Jussara Borges Regitano, do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP,em Piracicaba. Foramavaliadas 46 amostras de cama de frango e 11 de solo, coletadas em granjas e áreas agrícolas em Piracicaba (interior de São Paulo) e sete municípios próximos, com importante atividade avícola. Todos os solos coletados apresentaram histórico de aplicação de cama de frango. “Para a obtenção dos compostos foi empregada a extração assistida por ultra-som e a quantificação utilizou cromatografia líquida, empregada na análise de uma vasta gama de resíduos de contaminantes orgânicos em matrizes ambientais”, conta o agrônomo.

As concentrações médias na cama de frango variaram de1,37 a6,68 miligramas por quilo (mg kg-1), tendo sido encontrados três dos quatro compostos avaliados (norfloxacina, ciprofloxacina e enrofloxacina). “No caso dos solos, foi encontrado apenas um composto (enrofloxacina), sendo a concentração média bastante inferior a da cama de frango, de 22,93 microgramas por quilo (µg kg-1). , diz Leal. “E m ambos os casos (cama de frango e solo), os valores foram compatíveis com os níveis relatados em outros países, podendo-se citar levantamentos conduzidos na Áustria, China e Turquia”.

Impacto

Segundo o engeheiro agrônomo, a ocorrência dos resíduos pode impactar negativamente organismos aquáticos e terrestres (toxicidade crônica ou aguda), mas a questão mais complexa e preocupante é a possível influência no aumento da resistência de micro-organismos aos antibióticos. “As implicações da presença dos resíduos ainda são pouco conhecidas, pois começaram a ser sistematicamente investigadas somente a partir do ano 2000, e o Brasil, carece de pesquisas na área, ignorando possíveis efeitos no ecossistema local”.

Embora não haja uma relação direta de causa e efeito dos resíduos com a saúde humana, Leal observa que as concentrações transferidas ao solo pela aplicação de esterco animal podem favorecer a seleção de populações de micro-organismos resistentes. “Eles poderiam compartilhar a resistência com organismos patogênicos ao homem e reduzir a eficiência dos antibióticos de uso humano, mas não há evidências conclusivas a respeito”, ressalta. “Os resíduos também poderiam ser absorvidos e acumulados nos tecidos vegetais, causando riscos quando da colheita e consumo de alimentos de origem vegetal.”

De acordo com o agrônomo, não há limites estabelecidos para a presença de antibióticos no ambiente (solo, esterco animal, água subterrânea, água superficial, água potável, sedimentos, etc), tanto no Brasil quanto no exterior. “Isso reflete o fato dos estudos sobre o tema serem recentes, mas o estabelcimento de legislação a respeito é apenas questão de tempo”, afirma.

Leal ressalta que o uso prudente e criterioso de compostos antibióticos é a medida mais efetiva para a redução dos riscos ao homem e ao ambiente. “Na prática, isso não se restringe a apenas limitar a duração da pressão seletiva por meio da redução na duração do tratamento e no uso continuado de doses subterapêuticas, mas também inclui controlar os compostos em uso e fazer monitoramento ativo da incidência de resistência”, conclui.

Júlio Bernardes / Agência USP de Notícias