Pesquisadora da CENA/USP estuda toxina que pode afetar peixes da nossa mesa.

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As chamadas florações de cianobactérias, quando esses microrganismos se multiplicam em excesso e liberam toxinas como a guanitoxina, já foram registradas no Rio Piracicaba

Piracicaba é conhecida em todo o Estado por sua relação com o rio que corta a cidade e pelo tradicional consumo de peixes na Rua do Porto. Foi justamente aqui, no campus da USP em Piracicaba, que uma pesquisa de doutorado revelou como a guanitoxina, uma toxina natural produzida por cianobactérias, pode prejudicar a saúde de peixes como a tilápia, espécie muito consumida no Brasil. Para efeito de comparação, a pesquisa também utilizou inseticidas sintéticos, aqueles produzidos pelo homem e usados no controle de pragas agrícolas, que podem acabar chegando aos rios e represas da região. A curiosidade é que a guanitoxina age de forma semelhante a esses inseticidas artificiais, provocando os mesmos tipos de danos nos organismos aquáticos.

O estudo foi conduzido pela doutoranda Larissa Passos, aluna do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), que fica no Campus Luiz de Queiroz da USP, em Piracicaba, espaço mais conhecido pela comunidade por abrigar também a ESALQ. A pesquisadora buscou entender como a guanitoxina e os inseticidas sintéticos afetam as tilápias em condições de laboratório, avaliando os impactos na saúde dos peixes e observando semelhanças nos efeitos causados pelas substâncias naturais e sintéticas. O trabalho, ainda em andamento, ajuda a abrir caminho para investigações futuras em outras espécies de peixes de interesse comercial e de consumo humano.

Nos experimentos realizados em laboratório, Larissa observou que tanto a guanitoxina quanto os inseticidas sintéticos causaram lesões no sistema nervoso das tilápias, levando inclusive à morte de alguns peixes expostos. Esses efeitos acontecem porque as substâncias interferem no funcionamento de enzimas importantes para o controle dos impulsos nervosos, o que acaba comprometendo a sobrevivência dos animais. Embora os testes tenham sido restritos a tilápias, os resultados levantam a hipótese de que outras espécies de peixes também possam ser afetadas de maneira semelhante, como exemplo, ela cita que estudos revelam resultados semelhantes no peixe zebra e em outras espécies.

Apesar de a pesquisa ter sido feita em laboratório, fenômenos semelhantes já podem ocorrer na natureza. As chamadas florações de cianobactérias, quando esses microrganismos se multiplicam em excesso e liberam toxinas como a guanitoxina, já foram registradas no Rio Piracicaba. Embora sejam raras em rios, podem acontecer em períodos de baixa vazão, especialmente no inverno ou quando a Represa de Salto Grande, em Americana, fecha suas comportas, reduzindo o fluxo de água. Nessas situações e com o despejo inadequado de esgoto não tratado e lixiviação de áreas agrícolas, o ambiente aquático fica mais propício para o crescimento das cianobactérias, o que reforça a importância de acompanhar e entender esse tipo de processo.

Por enquanto, não há evidências de que a guanitoxina esteja acumulada em peixes consumidos na cidade, como os servidos na Rua do Porto. Os resultados do estudo se referem apenas a condições de laboratório com tilápias, e ainda serão necessários novos testes para verificar se o mesmo ocorre em outras espécies. O que a pesquisa destaca é a importância de monitorar a qualidade da água e compreender como diferentes substâncias, naturais ou sintéticas, podem afetar os organismos aquáticos. Esse acompanhamento é fundamental em regiões como Piracicaba, onde a agricultura intensiva e a proximidade do rio tornam a vigilância ambiental ainda mais necessária.

A pesquisa conduzida por Larissa é apenas o início de uma linha de investigação que deve se expandir para outras espécies de peixes e situações ambientais mais próximas da realidade dos rios. A ideia é compreender melhor se a guanitoxina realmente se acumula em animais de consumo humano e quais os possíveis riscos para a saúde e para a pesca. O fato de esse trabalho estar sendo desenvolvido em Piracicaba, dentro do CENA-USP, reforça a relevância científica da cidade, que une tradição no consumo de peixes com pesquisas de ponta sobre a qualidade da água e o equilíbrio ambiental. O estudo amplo é conduzido pelo Prof. Dr. Ernani Pinto, em colaboração direta com a ESALQ, Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Universidade Federal do Paraná (UFPR), centro de pesquisa EAWAG, na Suíça, e com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).